30.8.06

Diálogos VII

Telepatia

[ouço estas palavras em tua cabeça]

Agora
Já é dia
Escuta
Permita
Uma vida vadia
Sadia
Permuta
A palavra arguta
Pela elegia
Comuta
Com prazer
Com algum outro ser
Ser prazer
Agora
Que é dia
Permita a noite
Agora que é chuva
O trovão
Agora que é não
Outro sim.

[ouça e esqueça]

Canto de Iara

Iara
Canta
Triste o entardecer
Quando os pássaros procuram refúgio
Nas copas dos Tarumãs

Se encanta
Assiste a lua nascer
Os coachos dos sapos e o brilho dos pirilampos
nos brejos submersos
Os verdes quase negros
Um silêncio de ensurdecer

Iara dança na noite
Suas formas morenas
Exalam o perfume da dama
As estrelas farfalham
Refletidas em serenas águas
Espelho das almas

Das terras secretas
Onde as casas de barro
Dos Joãos da amada pátria
Acendem suas velas
Telas e visões
Milhões
De Joãos
Do barro da terra
Não percebem o perfume
Não escutam seu canto
Nem entendem seu ser
Espelho da mata

Iara canta
E suspira perfeita
A espera do canto
Da oferenda
Aqui feita

27.8.06

Diálogos VI

Cinco giros do saca-rolhas
E o doce das uvas do vinho se espandiu
Feito aroma em boas borbolhas
Feito vento derrubando secas folhas

Ela sorriu. E a este sorriso nada poderia resistir
Nem mesmo eu.

E o vinho deu gosto as palavras
Que nadaram até a madrugada cair
Como se houvessem sido escritas
Para nossas convulsivas bocas

As palavras eram mais que palavras
As bolhas que eram folhas que eram rolhas
Rolhas e mais rolhas e mais vinhos
Borbulhavam por nossas bocas

Que de tão secas feito folhas ficaram
Sedentas de mais palavras
De mais bolhas e somente enfim
Em seu encontro silenciaram

Cinco giros para dar sorte

Diálogos V

O sol fica de fora todas as manhãs
Iluminando o tráfego imenso
Peruas, blindados e sedãs
Num barulho tão intenso

“Será que é do brilho do sol este barulho?”
“Ah?”
“Nada querida… Não foi nada.
”Ahhhhhhhh….. Quantas horas…”
“Cedo. Ainda é cedo.”

Nas cobertas e lençois me embrulho
E mergulho num sonho sem sonhos

Diálogos IV

“Ah, portas e mais portas”

Ruas frias… todas mortas…

“Portas e mais portas.”

Passadelas
Passarelas
Todas tortas. Todas tantas.

“A chave do meio.
Abre logo. Maldita.
Ah sim. Agora o banheiro.
Benedita.
Sobre ti me derramarei.
Não te espantas”

“Bandidas”
“Sacripantas”

O som dos carros ao longe,
Quando se está deitado
Derretido feito um coitado
Soam, longe… longe…
E tão perto.

Ambulâncias

Diálogos III

“Siga para o Santa Tereza, por favor..”
“Quer que eu passe por onde?”
“Por onde vai todo e qualquer morador:
Desca a Brasil e a siga até a antiga Conde
Ai vira sentido Contorno.”
“Não entendi. Sentido retorno?”
“Vá! Siga então aquele senhor!”
“Certo. O senhor vai ao Bolão?”
“Isso. Isso… O Bolão.
Pode me guiar até lá, sim?”
“Pois não”

As pessoas aqui dormem todas cedo.
Se vestem conforme a novela das oito.
Sentem paixões e as escondem da mesma forma.
Bebem sim. Quase toda a noite.
E ainda assim acordam todas cedo.
Tão cedo.

“É aqui. Chegamos enfim!”
“Excelente. São dez e quarenta.”
“Ainda é cedo! Troca para mim?”
“Claro (a garganta raspa de forma estranha, como um antigo pigarro).”

Mais uma dose. Será que ainda aguenta?
Será? Overdose de água benta!

Diálogos II

“Queria ter aprendido algo com ela…”
“Não fique assim tão deprimido
Pois outras mais hão de florir na janela”
“Como naquela música não é mesmo?”
“É, sabia que já a tinha ouvido”

Silêncio …
Confortável silêncio
Dividido apenas por bons e velhos amigos…
Cigarros partilhados…

“Ela tinha belos olhos verdes
E qd chorava tingiam-se de vermelho”
“Vc ainda sente muita fallta…”
“Chega destes teus conselhos”

Uma respiração travada
Suspensa
Intensa em sentimentos

“Porque não a procura, Se anima!”
“Nada mais me anima meu amigo”
“Então vai, bebe tua caipilima,
Brinda a tua liberdade amigo.”
“Estou preso… Do mundo dela
Fiquei do lado de fora… Excluído…”

Um gole seco
A lima é mais fraca que o limão…
E o açúcar e o gelo a adoçam e resfriam
Congelam
Como o coração recém despedaçado
Ainda bem que a vodka por mais fria que esteja
Aquece e da dor se esquece.

“Acho que algo aprendi sim”
“Diga então, ou passemos ao gim”
“Aprendi a não mais me prender”
“E a não perder mais seu tempo, sim?!”
“É, este é um bom fim!”
“É sim, com algo a que beber!”

24.8.06

Ocaso II

Olho o horizonte
flecho no olhar um devaneio
atravesso marculino
atravesso a praço
mas logo me esqueço

boa tarde meu amigo
a realidade sempre chama
mas a mesa nem sempre é plana
rima boba
sei disso
mas aprendi na tv
que a distância entre o trivial
e o entusiástico
é apenas um segundo
distância-tempo
apenas um pouco atrás teria sido genial
não fui, não sou, ou talvez
não importa

minha mesa é a sua também
seres seres respondem ser o que são
Que tal? Me responda se é você...

18.8.06

Lia beijo

Mau humor tem gosto de cigarros
E chuva tem cheiro de cinzas
Geladeira vazia tem água gelada
Cadeira na sala sentada fantasma
Cama de verão com gente pelada
E risos vadios e gargalhadas
O dia seguinte é sempre suave
Olhos tristes que olham pro nada
Livros de papel, palavra e poeira
Pratos de pizza janela molhada
A tv e a autodestruição
Decora melhor desligada
O som de tubarão no aquário
A lâmpada acende apaga acende apaga
O veneno fatal do boticário
My Juliet!

16.8.06

Diálogos I

"Oi"
"Oi"
Silêncio
"Você"
"Não fala nada"

Silêncio
Silêncio do beijo

[telepaticamente]
não queria te perder
só queria te encontrar mas...
mas agora...
quero me perder de amor
quero morrer de te amar

Silêncio
Silêncio do beijo

"É, não sei nem o que dizer"
"Não vamos pensar demais"
"É..." [sorriso]
"Tá feliz?"
"Demais!"


"Tenho uma teoria
Acho que naquele dia
Quando te conheci
Naquele dia então
Perdi meu coração

E a vida vai dando voltas e mais

voltas

E sempre que te vejo
Encontro contigo
O que mais anseio
Um profundo desejo
Meu coração perdido"


"Vai ficar tudo bem"

3.8.06

Avezcruzes

Morro vai longe vai monge
Das calmas águas do mar se esconde
Cava um abismo e o fundo tange
E encontra o mesmo mar
Mina de preciosidades
Dentro de grota não se sabe onde
Do enxofre denso negro ar
Gotejante mundo de Gandi
Silencioso e ômico
Gongo do morro
Cabongue!

1.8.06

Promessa

Fiz uma promessa
De te escrever aqui
Um poema

Fim

P assado

Passarim de pedregulho
Num si'apruma num nada
Espera vim d'agua
Um mergulho de mim

Passarim de pedra
Não plana nem pia
És pedra não tem pena
Tem enfim pena de mim

Passarim de rocha
Bem te vi a duras penas
Sorrindo da cabrocha
Que de mim se avoava

Ah passarim, te apedrejava
Só pra ver teu fim
Te prego então aqui
Empregado da palavra

Bruno Milagres 01.08.06 SP